O sol, a xícara e o travesseiro

/
0 Comments
Somente nas maiores pequenices dos detalhes é que temos provas da intensidade de um amor.
O sorriso ao acordar. O sol que atravessa difuso as cortinas do quarto. O calor da xícara de chá pela manhã. Aqueles três chaveiros pendurados à chave de casa. A foto na carteira. As flores no vaso sobre o criado-mudo. Os livros com dedicatórias na estante. Os brincos nas orelhas. As trufas prediletas do outro sempre no armário da cozinha (mesmo que se odeie maracujá); sabe-se lá quando ele pode surgir. A antologia do poeta preferido sobre a escrivaninha, com grifos nessa e naquela página: os trechos preferidos, aqueles que fazem com que se lembre do outro. Aquela camisa dele no guarda-roupa, envolto por todos os seus vestidos. Os discos do Chico emparelhados na prateleira, valiosos. A aliança no anelar. A chuva que toca suave a pele macia. Os arranhões nas costas. Os ingressos de filmes chatos que fizeram bocejar (mas que o outro adora). A ligação inesperada no meio do dia. Os escritos no caderno; o próprio caderno só de escritos. As cessões. O casaco emprestado. A música que começa a tocar no rádio no mesmo instante em que se sorri. As boas lembranças. A mão que percorre o corpo. O corpo que percorre o outro.  O deitar sobre a grama lado a lado. O sentar à mesa para criar sempre novas figuras sobre o mesmo brilho dos mesmos olhos em cada novo escrito. O céu. A lágrima do medo da perda. A suavidade do travesseiro ao descanso ao fim do dia. O sorriso ao dormir. O sorriso ao acordar. O sol que atravessa difuso as cortinas do quarto. O calor da xícara de chá pela manhã.