Porquexplosão

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Era uma típica terça-feira em São Paulo. Homens e mulheres vestindo trajes sociais corriam de uma ponta a outra, mas, para nós dois, os únicos parados ali naquela calçada, aquele era mais que um domingo enfeitado e acompanhado de fitas.
Meu coração palpitou no mesmo instante em que você grudou em mim esses teus olhos-que-engoliram-o-céu. Dois suspiros, simultâneos; dois risinhos, logo em seguida. 
E uma vontade súbita de fazer explodir todos os porquês crescia no peito.
"Sabe do que eu gosto na gente? Gosto do modo como as coisas acontecem naturalmente, sem necessidade alguma de seguirmos regras prontas ou o tempo normal das coisas. Como sempre dizemos, temos nosso próprio tempo. Aliás, acho realmente incrível quando eu menciono alguma música, e você sempre consegue completá-la. Você sempre a conhece. Gosto de quando você pede para que eu pense em uma palavra, para que você logo pense numa canção. E a canta. Barco, helicóptero, porta, janela, amor. Amor, amor, amor, tão indecifrável, tão indefinível, tão dificilmente resumido em sua semântica natural e fraca, tão fraca. Michaelis e Aurélio nunca amaram; caso contrário, reconheceriam que o amor não se traduz em palavras e preencheriam todo o espaço com palavras aleatórias, e por que não com um conselho? 'AMOR - a.mor. sm (lat amore). 1. vide inefável. 2. declare-se e descubra'. Porque, quando estamos juntos, absolutamente nada pode nos parar. Nada é capaz de nos deter, e ninguém consegue nos impedir de fazer exatamente o que queremos. Aqui e agora. Temos o mundo nas mãos! E talvez seja por isso que gostamos tanto de quebrar as convenções. Eu adoro te ver no meio da semana. Adoro ir no cinema em plena terça-feira, e ainda mais para assistir a um filme qualquer. E então parar e te abraçar no meio da rua, serenos, num mundo veloz. É como se, ao te encontrar e te abraçar bem apertado, todo o restante do mundo se esvaísse pelo ar. E então ficamos só nós dois, e mais ninguém. Não importa onde estamos, o que fazemos ou como nos situamos. Nada mais importa; nada além de você. Estou completamente entregue à situação. E, se quer mesmo saber, não consigo me lembrar de mim mesma mais feliz do que agora. Porque com você não existe tempo ruim. Não tem garoa gelada, não tem ventania, não tem sol e nem céu sem nuvem. Só você e o azul da nossa liberdade, que irradia e alumia toda a nossa alma. Quando me perguntarem por que o céu é azul, vou dizer que ele reflete a cor que a gente carrega na alma, e anula a grande fúria do mundo.
Os momentos que temos juntos não podem ser sequer comparados. E então te chamo. Vem... capte-me, rapte-me, adapte-me. Me domina. Vem me amar como nunca antes. Fecha essas cortinas, tranca a porta e me encara com esses teus olhos semiabertos. Aqui somos só nós dois, azuis, refletindo cada pequena parte deste lugar. Me olha de cima. Me olha de baixo. Mas só me olha. Me deixa tocar em você. Me deixa esquentar seu corpo junto ao meu. Deixa a chuva, o barulho, deixa o mundo e todo o escarcéu lá fora. Deixa o escar, e pra cá traz só o céu. Vem?
Vamos deitar na grama e olhar pra cima. O céu ou você sobre mim, tanto faz. Talvez os dois juntos. Depois levanta, depressa. Vamos cantar num tom que nem ao menos existe, bem alto, no meio da noite. Vamos celebrar a juventude, a alegria de se estar exatamente onde se quer, e se quer como nunca antes. Vamos olhar pra lua e nos permitir alterar as letras das músicas — porque hoje a noite tem, sim, luar. 
Quantas vezes já nos casamos em pensamento aos domingos, na praia, no sol, no mar, ou num navio a navegar, num avião a decolar, indo sem data pra voltar? E quantas vezes já não nos entregamos à preguiça e observamos o mundo de cima?
Porque é disso que eu gosto na gente. A gente respira poesia, a gente respira música, a gente respira liberdade. E ela é mais azul do que nunca".
Quando dei por mim, seus olhos ainda fitavam fundo os meus, e um sorriso de uma orelha a outra começava a se esboçar em seus lábios. Porque eu não precisei pronunciar uma só dessas palavras tantas para que você compreendesse a imensidão do que eu carrego no peito (e nos olhos) por você. 
E, então, em meio àquele mar de prédios, buzinas e passos apressados, nos entregamos. Deixamos ser pelo coração. Se é loucura, então melhor não ter razão.