Carta à Renato Manfredini Júnior - "É só você que tem a cura pro meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto..."

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"Além da liderança implícita e da genialidade de fio terra da raça e parabólica de geração, Renato Russo deixa um legado de integridade artística à prova de bulas. Ele esquadrinhou seus cantos pessoais mais ocultos com a sinceridade dos que põem a alma pela boca. Sua vida foi um disco aberto. E a todo volume."

Querido Renato,
Como explicar uma saudade do que não vivi?
Sabe, você era tão... carismático. Ousado. Polêmico. Tão... único. Queria tanto que soubesse que eu te vejo como um irmão mais velho; como alguém incapaz de ser substituído; ou mesmo definido.
Sabe, Júnior, para mim... você vai tão além de ser simplesmente mais um "poeta do rock brasileiro nas décadas de 80 e 90", como sempre o denominam!... Desde sempre, você é meu melhor amigo. E não, não refiro-me de maneira alguma ao tempo indicado pelo relógio, mas sim a um tempo único, presente dentro de todos nós ao depararmo-nos com situações aparentemente insolúveis.
Queria tanto poder olhar em teus olhos e lhe contar como te conheci, Renato!... Eu tinha aproximadamente 3 ou 4 anos, quando meu pai ouvia sempre aos sábados discos que agradeço-o veementemente por ter ensinado-me, desde pequena, a apreciar uma boa e verdadeira música. Eric Clapton, Simply Red, Al Stewart, Beatles, Paul McCartney, Tears for Fears, Phil Collins, Queen, The Police. E, claro, Legião Urbana tem necessariamente que estar inclusa nesta lista, já que denominei-a como "boa e verdadeira" música...
Sabia que ficava sempre animada ao início da faixa de número 4 do disco "Mais do Mesmo"?
"
Quem um dia irá dizer/Que existe razão/Nas coisas feitas pelo coração?/E quem irá dizer/Que não existe razão?"
Passei parte dessa época assaltando o disco de meu pai e colocando-o no som da sala... Pulando sempre as faixas 1, 2 e 3, e querendo chegar sempre a de número 4, ansiando pela sua voz... Também costumava pegar escondido a pasta de cifras de minha irmã somente para cantar baixinho a letra de "Eduardo e Mônica", ou, se preferir, a tal faixa de número 4. Parece engraçado, não é? Eu era, sim, de fato, uma criança; mas que cresceu apaixonando-se mais a cada dia pelo seu talento em compor.
Com o passar dos anos, Júnior, passei a dar mais atenção às outras faixas deste e de outros discos.
De "Tédio" até "Daniel na Cova dos Leões". Não importava. Só o que eu precisava era ouvir as músicas da Legião Urbana.
Conforme fui crescendo, pude perceber que, até então, tinha somente uma prévia do que deve ser, de fato, uma vida. Eu diria até, por que não?, uma falsa idéia em relação a isso. Imaginava que ninguém seria capaz de compreender a mim; quem sou, o que acho, o que sinto — nem eu mesma entendia; em tais circunstâncias, de que modo, portanto, alguém o faria?
E, sabe, Júnior... isso mudou. E por completo.
Dou o crédito inteiramente à você. Tão certas, tão cheias de figuras de linguagem, tão ousadas. Autênticas.
E a cada nova música conhecida, afirmava com mais e mais veemência que elas alcançavam, no sentido denotativo da palavra, a perfeição.

"Como expressar nas palavras,/os gestos que queria fazer,/as coisas que gostaria de ver,/os belos amanhecer e entardecer,/e o sombrio morrer.../faltam-se falas.//Mas ao expressar/o simples fato de escrever, falar,/nada existe para preocupar.../nada pode deturpar,/na essência pelo chorar,/no gesto por beijar,/comover e alavancar/o puro e simples 'amar'."

Eu sentia-me incrivelmente bem ao ler o que escrevia e me identificar com cada uma delas. Das situações em comum, à sentimentos completamente indefiníveis. Quero dizer, não para você, não é?

"O Legião Urbana parou. Pensou. Reformulou. Passaram-se quatro anos e o grupo está aí, outra vez. O Legião do Que País É Esse? e das críticas sociais deu lugar para as questões urbanas mais espirituais. As pessoas andam dizendo que, na última década antes do terceiro milênio, os valores passarão por uma maior interiorização e, a partir daí, para a discussão dos problemas humanos e a ação. (...) A nova proposta do grupo tem como cartão-postal o seu novo disco: Quatro Estações. (...)

Quase ninguém escapa de rótulos e vocês não são exceção. As letras políticas moldaram e etiquetaram o Legião Urbana para o público e a imprensa. Vocês não têm medo de lançar um trabalho romântico, espiritualista e as pessoas não aceitarem?

RR - A gente sempre faz canções que refletem o que estamos sentindo e o que as pessoas sentem, de um modo geral. (...) Só sabemos que nos esforçamos ao máximo. (...) Estamos seguros. (...) Quando nós entramos no estúdio, não levamos nenhum material. Fizemos as músicas simultaneamente com as gravações. (...)" (Trechos da entrevista Quando o artista faz sucesso fica sempre devendo, a Denise Domingos, Amiga, 4 de janeiro de 1990.)

Portanto, meus sinceros devotos e agradecimentos à você, Renato Manfredini Júnior, por ter ocasionado imensos sorrisos — e lágrimas, também — em mim, por vezes inúmeras. Em nome de todos os Legionários, Júnior, agradeço por ter colocado-se por inteiro sempre em cada música, identificando-se assim, por completo, com seus fãs e admiradores.

"Quero ouvir uma canção de amor/Que fale da minha situação/De quem deixou a segurança de seu mundo/Por amor."



Estamos de luto eterno por você. Esperamos que esteja, enfim, em paz.

Um abraço, assim como o que sonho em te dar algum dia...

Meras palavras de uma eterna e irrevogável maravilhada fã.