Substantivo Indefinido

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Havia quem caminhasse pela velha rua dos sonhos e que, ao se deparar com a antiquada casa às escuras, instantaneamente deduzia estar só, com direito a ecos e entreolhares dos quadros de Calixto e Tarsila nas paredes, bem como o suave tintin das taças provenientes dos LPs de música clássica. Veraneios, contudo, costumam se esvair noite adentro com a mesma velocidade que se emergem
— instantaneamente —, vindo a tona apenas tom cinzento do real. E lá se foram as cores da imaginação... Lá fora, os passos se distanciam, e a alma aos poucos se reembranquece. Lá dentro... apenas a luz provinda das ligeiras chamas de três velas, já gastas pelo tempo, fixadas em um pequeno prato localizado sob a mesa.

"(...) São fiéis, as coisas de teu escritório.
A caneta velha.
Recusas-te a trocá-la
pela que encerra o último segredo químico, a tinta imortal.
Certas manchas na mesa, que não sabes se o tempo, se a madeira, se o pó trouxeram contigo.
Bem a conheces, tua mesa.
Cartas, artigos, poemas saíram dela, de ti.
Da dura substância,
do calmo, da floresta partida elas vieram, as palavras que achaste e juntaste, distribuindo-as.
A mão passa na aspereza.

O verniz que se foi. Não. É a árvore que regressa.
(...)"

Uma Parker 51, seis cartuchos lacrados de tinta. Clips, papéis, jornais. Livros, enciclopédias, dicionários. Drummond, Quintana, Lispector, Andrade e Meireles. Ídolos... irmãos.
...

Todos sob a mesa.
O velho poeta buscava palavras para definir o que surgia e submergia de su'alma já há inúmeros tic tacs "Mera ilusão auditiva graças à qual a gente ouve sempre 'tic-tac' e nunca 'tac-tic'... Depois disso, como acreditar nos relógios? Ou na gente". Abriu o dicionário, pensando estar em uma das famosas "crises de artista", mas não contentou-se com a definição. Notou que a enciclopédia pulava de "aminoácidos" à "Amu Dária". De repente, lembrou-se: os irmãos! Ah!, os irmãos... sim, eram capazes de compreendê-lo... não, contudo, na intensidade que buscava fazê-lo. O que o poeta sentia ia muito além da poesia; da descrição, da denotação, conotação. O que ele sentia ia muito além da tão limitada compreensão humana. O que sentia, ora!, ele sabia,era indescritivelmente inexpressivo em meras palavras.
Moonlight Sonata, de Mozart, soava ao fundo. E então, em um movimento fugaz, o velho poeta largou sua caneta sobre a mesa e aumentou o volume — tanto de sua vitrola, quanto de seu coração. Assoprou as velas com delicadeza no mesmo instante em que abria a porta. Saiu de encontro ao negro céu, por onde bailou com a Lua até que o brilho de seus olhos (sensatamente) se tornasse mais intenso do que todas a estrelas, unidas.
...
Havia quem caminhasse pela velha rua dos sonhos e que, ao se deparar com a antiquada casa às escuras, instantaneamente sabia que fora a Lua quem resgatou toda a sua luz, depositando-a nos olhos do poeta. Daquele velho poeta...

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Por que não uma dedicatória em forma de poesia?

Diogo... prá você:

"Sua voz é melodia
que em meus dias vem cantar
aquele silêncio que eu vivia...
ora!, nunca mais hei de ficar.

Sua voz é um afago
que nem sei se merecia,
na velha quietude de meus dias
ora!, nunca mais hei de apagar.

Eternamente quero tê-la
dentro do coração, guardada,
pois assim se nunca mais ouvi-la,
ora!, sempre hei de lembrá-la!"


P.S.: Tin-tin!!