Chissà se tu mi penserai...

/
3 Comments



"Chissà se tu mi penserai Se con i tuoi non parli mai Se ti nascondi come me Sfuggi gli sguardi e te ne stai Rinchiuso in camera e non vuoi Mangiare stringi forte a te il cuscino E piangi e non lo sai quanto altro male ...ti farà La solitudine"
(La solitudine - Legião Urbana | Composição: Cavalli, Cremones, Valsiglio)


São 4h27 da manhã.
Todos em minha volta estão dormindo. Com exceção, indubitavelmente, de mim. Fazia-o há pouco tempo, mas acabei por despertar, incrédula, com o sonho que tivera.
Estava caminhando pela rua Nascimento Silva, em Ipanema, localizada ao sul do Rio de Janeiro em meados de 1976. Como em um ato involuntário, me redireciono à um pequeno edifício, e toco a campainha do apartamento de número 201. Ouço o som de passos apressados indo em direção àquele velho portão.
Deparo-me com ele.

Ele fumava um cigarro e usava jeans, tênis e uma camiseta do Scott Walker. Notei que além do cigarro, tinha também um arcaico e rabiscado bloco de notas em mãos.
Ao ver que havia sido eu que tocara a campainha, sorriu. E abraçou-me, como em um gesto convidativo a subir o pequeno lance de escadas em nossa frente. Chegando ao final do mesmo, era impossível não reconhecer aqueles antiquados e empoeirados retratos situados no mesmo cômodo em que havia uma gigantesca e até mesmo assustadora estante repleta de livros que variavam desde Pirsig até Drummond.
Eu tinha certeza sobre onde estava: Encostada no vão da porta do paraíso, observando tudo o que de melhor podia a ele pertencer.
Ele me puxou até seu quarto, onde depositou o velho bloco de notas em sua escrivaninha e, veloz, pulou em sua cama, começando a tocar no violão uma música conhecida a meus ouvidos. Dizia ele ser uma nova música que acabara de compor. Insistentemente pedia minha opinião sobre os mais inimagináveis detalhes.
Ora, mas que belo perfeccionista ele se saía!!
Admirava-o tanto, que via isso como um de seus pontos mais fortes.
E marcantes.
Ele não saía de minha mente, desde que me conhecera como gente. Nunca soube responder exatamente o porque. Sentia-me no auge da emoção ao vê-lo ali, tocando, e cantando. Feliz por vê-lo ter certeza de que os outros integrantes de sua banda iriam ter a mesma opinião que a minha sobre aquela bela canção.
Como podíamos eu e ele ter tantos itens em comum? Tantos sonhos, costumes, ideais... Completamente e irrevogavelmente iguais. Era estranho saber disso estando ali, sentada ao lado dele, vendo-o compartilhar seus momentos pessoais com ninguém menos do que... Eu.
E, o que mais me perturbava: Por mais que eu soubesse cada passo que ele dava.
.. Saberia ele quem eu sou?
Ainda ouvia-o tocar aquela música que soava de maneira cada vez mais familiar aos meus tímpanos, batendo o pé no tapete no ritmo exato da batida.
Passamos a madrugada juntos. Conversando, cantando, rindo... O que me prendia naquele pequeno quarto era o fato de que com ele eu podia ser eu mesma. Não havia ninguém para me achar estranha e tentar me decifrar por todo o tempo. Eu podia somente acreditar no meu potencial, e no poder que aquele cara exercia sobre minha felicidade. Ele não ria quando minhas bochechas ficavam quentes e avermelhadas de vergonha, ou quando eu comentava sobre meus hábitos estranhos.
Eu podia ser feliz.
Isso porque ele, o meu maior companheiro, é somente imaginário. Desperdicei a chance de ser feliz até 11 de outubro de 1996.

Quando ele ainda era real.

Acordei. E após sentir um gosto amargo em minha boca, percebi que era ocasionado por uma lágrima.

"Aonde está você agora
além de aqui,
dentro de mim?"
(Vento no Litoral - Legião Urbana)